top of page

Revolução feita de mulheres, zines e liberdade de expressão

A presença feminina na produção de fanzines tomou bastante forma especialmente em meados dos anos 90. Allison Wolfe, líder da banda americana de punk Bratmobile, produziu um zine de teor feminista que levava o nome de Riot Grrrl. Nessa publicação, ela se rebelava contra o dogma do rock que dizia que as garotas não sabem tocar guitarra, bateria ou baixo tão bem quanto os homens.


Dessa forma, Riot Grrrl virou um movimento completo, abrangendo não apenas a produção de fanzines, mas também festivais e bandas de hardcore e punk rock. Tudo isso permeado por muito feminismo, com o objetivo de informar e conscientizar as mulheres de que elas são sim capazes de tudo o que quiserem — ser e ter.


Ao querer mostrar ao mundo que as mulheres estão em pé de igualdade com os homens, ao menos na área musical, as feministas americanas encontraram nos fanzines um meio simples e de baixo custo para disseminar seus ideais, inicialmente nos Estados Unidos, logo após se alastrando pelo mundo. Dessa forma, um meio que antes era dominado pelos homens, passou a se tornar importante ferramenta de fortalecimento das mulheres.


“Acredito que avançamos bastante,” diz a professora da Universidade Federal da Paraíba, Andréa Karinne Albuquerque Maia, sobre a presença feminina no mundo dos zines. “Hoje vemos sobretudo, muitas mulheres jovens produzindo fanzines, especialmente voltada para temática da música independente, uma cena que também se abriu mais para a participação feminina, a partir da década de 90.”


Em seus zines, as Riot grrrls se conectavam umas as outras, enviando pelo correio novas publicações, feitas na maioria das vezes em suas casas. Nelas, elas falavam, especialmente sobre roupas e como a sociedade vê as mulheres de acordo com suas vestimentas. A linguagem utilizada era em primeira pessoa, como num diário, e expunham comentários ouvidos por elas sobre o que deveriam ou não vestir para serem respeitadas, aceitas, ou até se sentirem seguras.


Zines de temática feminista | Créditos: Girls With Style


As nuances do feminismo do ponto de vista de uma minoria, seja de classe ou gênero também era um tema desses zines faministas. Um exemplo é o trabalho da musicista Kathleen Hanna, vocalista da banda americana Bikini Kill. Em seu zine My Life with Evan Dando (Minha vida com Evan Dando, em tradução literal), ela diz: “Só porque sou mais próxima da ideia de magra, branca, de nariz pequeno que os publicitários racistas enfiam em nossas gargantas, sou uma estrela maior do que a gordinha na festa”.


A Bikini Kill foi instrumental no movimento feminista. Em seus shows, a banda pedia para que os homens dessem espaço para que as mulheres pudessem ocupar as filas mais próximas ao palco. Além disso, distribuíam panfletos com as letras das músicas para que o público entendessem o significado das canções.


A vocalista Hanna se apresentava com braços, abdômen ou costas a mostra, com palavras como rape (estupro) ou slut (vagabunda) escritos, como forma de protesto em relação aos nomes dados à mulheres consideradas “fáceis” pela sociedade em geral. Daquela época, mas de certa forma de hoje em dia também.


Atualmente, algumas representantes femininas no universo dos fanzines são Marie Victorino e Nuta Vasconcellos. Fundadoras do blog Girls with Style, as meninas são produtoras de zines que tocam em temas semelhantes. “Nosso foco é tentar melhorar a autoestima das mulheres através do amor próprio, do autoconhecimento, é fortalecer o ‘girl power’,” diz Marie.


Inspiradas pelos zines feministas, Nuta, formada em jornalismo, e Marie, formada em Marketing, produziram seu primeiro zine em 2012, de maneira totalmente manual. “Nós passamos um dia inteiro montando ele, recortando revistas, imprimindo fotos e depois xerocamos ele,” recorda Marie. O projeto deu tão certo que rendeu mais duas edições, dessa vez de forma digital.


Marie diz que a maneira independente de se publicar o trabalho tem seu lado bom e seu lado ruim. “Financeiramente falando é bem mais complicado! Mas tem uma liberdade incrível, podemos falar sobre qualquer assunto, com nosso posicionamento e pontos de vista, além de fazer as coisas no nosso próprio tempo.”


A carioca Barbara Gondar também produz zines com caráter feminista. Formada em Multimeios na PUC, ela trabalhou em agências de publicidade e como freelancer na área de design antes de entrar de cabeça no mundo dos zines. “Tenho contato com a cultura dos zines desde meus 15 anos mas nunca havia pensado em fazer um,” diz Barbara. “Quando estava na faculdade, participei de um fanzi​n​e com textos​ meus​, contribuía com poesia mas ainda nunca tinha passado pela minha cabeça em fazer um sozinha. Quando me liguei que fazer zines era muito mais político do que eu imaginava e que havia um nicho, fiquei muito interessada e quis produzir.”


Após o convite de uma amiga, cujo companheiro possui uma editora, a Criatura, Barbara resolveu produzir seu primeiro exemplar. “Demorei muito pra começar a produzir, faltando 2 dias para a feira, pensei: vou fazer algo xerocado mesmo pra dar tempo. Vergonhosamente, da palavra xerox, resolvi fazer o zine Xereca. Digo, foi o que me inspirou primeiramente.”


O viés político presente na Xereca, que aborda o empoderamento das mulheres em seus textos e imagens, sempre esteve na cabeça de Barbara. “Acho muito importante utilizar qualquer recurso a favor de uma causa urgente,” comenta a artista. “Nem que seja ao menos uma parte da sua produção que ​faça ter algum tipo de​ visibilidade. Convenhamos, nesse mundo patriarcal, só por ser mulher e fazer uma auto publicação, por si só já é um ato político, independente do conteúdo.”


Com o crescimento da tecnologia em todos os setores, a produção de zines tem diminuído gradativamente. Contudo, há instituições que acreditam na importância dessa forma de comunicação para a história, especialmente para movimentos como o feminista. A Barnard College, em Nova York, uma tradicional universidade para mulheres fundada em 1889 nos Estados Unidos, desde 2003 abriga em sua biblioteca mais de 7000 zines com temas relacionados à gênero, como imagem corporal, experiência de pessoas transgênero, feminismo, anarquismo, abuso sexual, o próprio movimento Riot Grrrl e a comunidade queer, todas escritas por mulheres. Essa inclusão traz aos zines legitimidade e confirmam sua importância como documentos de sua época.


“Barnard é um local onde o feminismo interseccional é infundido no currículo e atividades extracurrículares,” explica Jenna Freedman, bibliotecária que cuida da Zine Library. O interseccional mencionado por ela é um tipo de feminismo que considera que a opressão sofrida por mulheres diferentes não é igual. Há fatores como raça, gênero, classe, capacidades físicas/mentais e etnia que interferem na forma como somos abordadas.


“Nossa biblioteca apoia o trabalho dos zines de maneira explícita e política, além de sua simples existência,” prossegue Jenna. “Eles são publicados independentemente, por pessoas (em sua maioria no espectro feminino) que representam todas as diferentes comunidades e perspectivas. Produtores de zines desprezam a ideia de autoridade na publicação ao eles mesmos se declararem autoridades nos assuntos que abordam.”


Jenna diz que se apaixonou por zines em 1999, quando conheceu Celia Perez, autora do zine I Dreamed I Was Assertive (Eu sonhei que era assertiva, em tradução literal). “Me apaixonei por zines provavelmente porque o zine que ela dividiu comigo era um zine pessoal (em inglês perzine), e eles me tocam de uma forma que os zines literários não conseguem.”


Nos últimos três anos, Jenna ajudou a organizar o New York City Feminist Zine Fest, um festival anual que procura difundir o trabalho de artistas e produtoras de zines que se identificam como feministas, e cujos trabalhos refletem suas visões políticas. A edição de 2016 do festival ocorreu em fevereiro na própria Barnard College.


“A produção de zines tem altos e baixos. Eu acredito que estamos próximos do auge da última onda de popularidade, mas quem sabe?” pondera Jenna.


Um universo bastante ligado aos zines é o dos quadrinhos. E também nesse espaço, a participação feminina é um tanto diminuta. Em 2015, o troféu HQ Mix, uma das mais tradicionais premiações de quadrinhos do Brasil, se viu rodeado de polêmicas em relação a uma campanha de divulgação postada em suas redes sociais. Uma modelo de costas posa para a foto de maneira sugestiva. Uma maneira que nada tem a ver com o evento e o que ele representa. Ao lado o slogan, “Venha bombar!”


O grupo Mulheres em Quadrinhos emitiu uma declaração de repúdio, e 35 pessoas relacionadas ao meio assinaram. Apesar de um pronunciamento do organizador do evento, José Alberto Lovetro, a imagem foi retirada da página cinco horas após sua publicação.


Por razões como essa, muitos acreditam que há muito a ser feito para que a presença feminina seja equivalente à masculina na produção de fanzines. “Eu vejo de forma bastante positiva a participação das mulheres, por imprimir uma identidade própria aos zines,” pensa a professora Andréa Karinne. “Mas, também acho que temos muito espaços a serem conquistados, por essa cultura que ainda é eminentemente masculina.”


“Como eu faço parte dessa bolha e estou inserida junto com muitas mulheres que se auto publicam, é muito complexo ser parcial,” opina Barbara Gondar. “Mas acredito que, se eu tentar ver de uma forma geral, talvez a participação não seja mais tão pequena, mas ainda é muito desconsiderada, para a participação de feiras, cogitação de prêmios, para serem chamadas com algum grau de relevância menos experimental e mais profissional. Então acredito que sim, no universo ‘oficial’ de auto publicações, ainda somos grande minoria.”


Henrique Magalhães, idealizador da editora de zines Marca de Fantasia, concorda. “As mulheres são minoritárias nesse universo, mas há cada vez mais produções femininas e sua participação tende a crescer. Isso é muito bom para a renovação do meio, para termos contato com outras visões de mundo e expressões culturais.”



SAIBA MAIS...


CONFIRA A ENTREVISTA COM GERMANA VIANA, CRIADORA DO ZINE LIZZIE BORDELLO, COM VIÉS FEMINISTA



Destaque
Tags
Nenhum tag.
Galeria de fotos
Entrevista - Douglas Utescher -
00:00
bottom of page